Enquanto nós escrevemos esse artigo, na primeira semana de julho de 2023, a Câmara dos Deputados se prepara para discutir o projeto da Reforma Tributária. Essa é uma manchete que pode até parecer “velha”, uma vez que reformas tributárias são colocadas e retiradas da discussão de tempos e tempos, há vários governos. Mas agora parece que nunca estivemos tão perto de finalmente aprovar uma mudança substancial na tributação brasileira.
Nesse sentido, é interessante observar que o modelo de tributação brasileira tem origem nos anos 1960. Nessas últimas sete décadas, diversos novos impostos e regras foram adicionados ao escopo inicial, criando uma das tributações mais complexas do mundo.
Além dos impostos federais — como PIS, Cofins e IPI —, existem os estaduais e municipais, como o ICMS e ISS. As regras de recolhimento do ICMS são diferentes em cada uma das 27 unidades da federação. Algumas delas têm códigos com mais de mil páginas para abordar todos os detalhes desse imposto.
Para o ISS, então…. São mais de 5.500 municípios com regras distintas. Isso falando apenas dos valores cobrados sobre o consumo de produtos e serviços. Quando pensamos em outras categorias, há ainda mais regras e especificidades. E nem entramos no mérito dos incentivos fiscais que muitos estados e municípios concedem para certas indústrias….
Enfim. Não precisa ser um especialista em contabilidade para entender que o Brasil possui um modelo de tributação excessivamente complexo, que gera complicações pro ambiente empresarial, diminui a atratividade de investimentos externos e complica a competitividade de nossas empresas no mercado.
É com o intuito de resolver esses problemas que o atual governo — assim como diversos de seus antecessores — se esforçaram para pautar a reforma tributária.
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Como está a reforma tributária? Será que agora vai?
O primeiro ponto para entender a importância desse debate é recapitular o atual estágio das discussões e suas chances de evoluírem.
Embora o assunto tenha tomado conta das manchetes nos últimos dias, o debate já acontece há alguns anos. Mas o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e lideranças de vários outros partidos e espectros políticos se mobilizaram nos últimos dias para acelerar a tramitação da reforma tributária de 2023.
Isso porque o Congresso Nacional entra em recesso, a partir do dia 15 de julho, e Arthur Lira pretendia evoluir na tramitação da reforma tributária ainda antes disso. Por se tratar de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), o projeto precisa ser aprovado por maioria de três quintos dos parlamentares (308 votos), em dois turnos. Depois disso, o projeto é enviado ao Senado Federal, onde também precisa de maioria qualificada (49 votos).
Caso o Senado faça qualquer alteração na proposta, ela precisará retornar à Câmara. Mas, de qualquer forma, é improvável que a reforma tributária seja aprovada nas duas casas ainda no primeiro semestre. Ainda assim, a “pressa” de Arthur Lira é bastante simbólica.
Isso porque, como mencionamos, projetos de reforma tributária são discutidos há décadas. É ponto pacífico que o sistema tributário é excessivamente complexo e está ultrapassado.
Dito isso, a aprovação da reforma na Câmara dos Deputados aconteceu na noite de 6 de julho, com ampla maioria: 375 votos a favor e 113 contra, no segundo turno. A partir de agora, a lei será encaminhada ao Senado, como explicamos.
Sendo assim, ainda não podemos dizer como a reforma tributária definitivamente será, já que o texto ainda pode passar por mudanças. Mas podemos começar a refletir sobre o texto aprovado ontem na Câmara. O que nos leva ao próximo tópico.
O que muda com a reforma tributária de 2023?
Antes de tudo, é importante explicar que a proposta de reforma tributária foi discutida por bastante tempo em comissões na Câmara dos Deputados, mas o texto ainda pode receber alterações — como já recebeu desde o início dos trabalhos. Aliás, caso mais algum detalhe mude já nessa primeira votação, retornaremos para atualizar esse artigo.
Dito isso, há outra questão essencial: a PEC discutida na Câmara em julho de 2023 só trata dos impostos sobre o consumo. A ideia é que, em até 180 dias após a aprovação dessa PEC, os parlamentares comecem a discutir a reforma da tributação sobre a renda.
Agora sim, vamos falar sobre as mudanças.
Imposto sobre Valor Agregado (ou IVA Dual)
Resumindo, a ideia é substituir os cinco impostos sobre o consumo existentes atualmente (com suas inúmeras regrinhas nos estados e municípios) por um único imposto: o Imposto sobre Valor Agregado.
Ele é chamado de IVA dual, pois será dividido em duas partes:
- CBS: Contribuição sobre Bens e Serviços, de âmbito federal;
- IBS: Imposto sobre Bens e Serviços, compartilhado entre estados e municípios;
Ou seja, acaba a divisão da tributação para produtos e serviços. Além disso, será definida uma alíquota única para o IVA em todo o território nacional. Logo, a guerra fiscal entre os estados, que concedem incentivos para setores específicos para atrair indústrias, tende a acabar.
Pagamento de impostos centralizado
Com a adoção do IVA dual, o pagamento de imposto deixa de ser descentralizado, em vários locais e em várias etapas da cadeia produtiva. Algo que, aliás, gera um problema tipicamente brasileiro: o pagamento de impostos sobre impostos.
Para começar, se você fabrica algo, você paga imposto sobre as matérias-primas. Com o IVA, as empresas só serão tributadas pelo valor agregado aos produtos. E assim continuará a cada etapa, até o produto chegar ao consumidor.
Até porque, com o modelo atual, é muito difícil saber quanto realmente pagamos de imposto em cada compra — já que a tributação está “embutida” nos preços. Com o IVA, cuja cobrança é mais simples, essa dificuldade tende a diminuir.
Dito isso, a proposta muda o local de cobrança dos impostos. Explicando de forma simples, a tributação deixa de acontecer na origem (fábricas, etc), para ocorrer apenas no destino (onde os produtos/serviços são consumidos).
A autonomia dos estados e municípios
Aqui está uma das críticas à reforma tributária — e uma das discussões que podem travar seu andamento. Considerando que haverá um único imposto, com uma única alíquota para todo o Brasil, alguns estados e municípios temem perder indústrias por falta de incentivos fiscais.
Além disso, a forma de distribuir a parte sub-nacional do IVA dual é um ponto de discórdia: os estados não confiavam na União para recolher todos os impostos, por assim dizer. Então, a proposta atual é criar um órgão interestadual específico para isso.
Alguns estados continuam discordando e defendem um modelo onde a tributação no estado de origem se mantenha e os próprios estados distribuam o excedente para os outros.
De quanto será a alíquota do IVA?
Essa é a “pergunta de um milhão de dólares”, como dizem. Isso ainda não está definido.
Segundo os envolvidos no projeto, é melhor aprovar apenas a ideia geral da reforma via PEC e deixar detalhes como a alíquota para uma lei complementar. Afinal, leis complementares são mais simples de aprovar que uma PEC, caso as alíquotas precisem ser modificadas.
Dito isso, um valor que está sendo divulgado por Brasília e pela imprensa é de 25%. Mas esse é um valor geral. Alguns setores (como educação, saúde, transporte público ou artes) podem ter alíquota reduzida (metade do IVA). E outros, como medicamentos essenciais e produtos da cesta básica podem até ter alíquota zero.
Além disso, estuda-se cobrar um imposto adicional, sobre o IVA geral, para produtos/serviços que fazem mal à saúde e ao meio-ambiente. Mas ainda não sabemos exatamente quais.
Os impostos vão diminuir ou aumentar?
Veja bem… O governo não quer perder arrecadação, até porque depende disso para sustentar sua estrutura. Então, a ideia não é fazer o brasileiro pagar menos impostos, mas simplificar o modelo de cobrança e diminuir algumas injustiças ou discrepâncias.
No modelo atual, a maior parte dos impostos incide sobre o consumo de produtos. Pensando que as famílias mais pobres comprometem a maior parte de sua renda comprando coisas — como alimentos ou produtos para a casa — elas são as que pagam mais impostos no Brasil, proporcionalmente. Logo, a ideia é diminuir a carga tributária desse lado.
Inclusive, discute-se a criação do cashback na reforma tributária. Ou seja, parte dos tributos pagos por famílias mais pobres seriam devolvidos a elas, via Bolsa Família.
Mas o setor de serviços, em contrapartida, pode ser onerado. Atualmente, esse setor paga em torno de 8 ou 9% sobre suas atividades. Se o valor de 25% para o IVA se mantiver, muita coisa pode mudar para os prestadores de serviços.
E vale mencionar que a reforma tributária sobre a renda — que inclui não só o IRPF e IRRF, mas também heranças, fortunas e doações — será discutida em um segundo momento. Isso também pode mudar bastante o panorama da reforma tributária.
Quando a reforma tributária de 2023 começa a valer?
Como dissemos, é muito difícil estipular qualquer prazo. Tudo depende da tramitação dessa PEC (Proposta de Emenda à Constituição) na Câmara dos Deputados, em julho.
Ela precisa ser aprovada por dois quintos dos deputados (308 votos), em dois turnos. Então, vai para o Senado, onde precisa de 49 votos. Se houver mudanças no texto, ele precisa voltar para a Câmara. Logo, podem acontecer várias etapas — não é à toa que a reforma tributária está em debate há décadas.
Mesmo que todos os entes políticos entrem em consenso e aprovem a proposta com rapidez, ainda teríamos um período de transição gradual, de 2026 a 2033.Para concluir, reiteramos que nossa equipe está atenta a qualquer mudança na tributação ou obrigações legais das empresas. Até porque prestamos serviços contábeis com excelência há quase 50 anos, sempre nos mantendo atualizados. Continue acompanhando nosso blog para receber sempre novidades sobre contabilidade e gestão empresarial.